Filosofando Sobre A Bondade
A BONDADE
PABLO NERUDA
Endureçamos a bondade, amigos. Ela é também bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os vermes: é também bondosa a chama nas selvas incendiando-se para que os arados bondosos fendam a terra.
Endureçamos a bondade, amigos. Já não há pusilâmine de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de soterrada intenção e gesto condescendente que não mantenha a bondade, que vós outogartes, como uma porta fechada a toda penetração de nosso exame. Vede que necessitamos que sejam chamados bons os de coração reto, e os não amolecidos e os insubmissos.
Vede que a palavra se vai fazendo acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade de vossas palavras foi sempre – ou quase sempre – mentirosa. Algumas vezes é preciso deixar de mentir, já que, no fim das contas, só dependemos de nós mesmos e nos estamos sempre remordendo a sós por nossa falsidade, e vivendo assim encerrados em nós mesmos entre as quatro paredes de nossa astuta estupidez.
Os bons serão os que mais depressa se libertarem dessa mentira pavorosa e saibam dizer sua bondade endurecida contra todo aquele que mereça. Bondade que caminha, não com alguém, mas contra alguém. Bondade que não bata nem lamba, mas que desentranhe e peleje porque é a própria arma da vida.
E somente assim serão chamados bons os de coração reto, os não amolecidos, os insubmissos, os melhores. Eles reivindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, eles serão o braço da vida e os ricos de espírito. E deles, somente deles, será o reino da terra.
Referência:
NERUDA, Pablo. Para nascer nasci. 3. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: DIFEL, 1980, p. 10.
Ilustração:
Tiradentes Esquartejado. 1893. Tela de Pedro Américo de Figueiredo e Melo. Museu Mariano Procópio, Juiz de Fora-MG. Imagem disponível em: http://gilsonsantos.com/tag/pintura-brasileira/
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