“Higesipo Brito” por Higesipo Brito (Cap. VI)
Higesipo Brito aos 19 anos – 1936
A HISTÓRIA DE UM MENINO, DE UM RAPAZ, DE UM HOMEM
HIGESIPO BRITO
Desempregado, Higesipo procurou serviço na firma A. R. Teixeira & Cia, hoje Cerâmica Morgan Ltda. Tendo recebido resposta negativa, foi a Sete Lagoas e, na qualidade de fundidor, procurou uma atividade na área de fundição. Ali também não conseguiu trabalho, tendo sido apenas informado de que na vila de Cedro, uma fábrica de tecidos (que mais tarde receberia o nome de Cia Cedro & Cachoeira) estava empregando pessoas, preferencialmente, músicos e jogadores de futebol. Lá chegando, hospedou-se em uma pensão. No dia seguinte, em companhia do regente da banda de música local, dirigiu-se à fábrica de tecidos e teria sido prontamente admitido, não fosse o valor de $800 réis do salário/hora. Como o seu pedido foi de $1000 réis, somente o diretor da fábrica poderia autorizar o fichamento nesse valor, em virtude de discrepar com a norma existente.
Decorridos seis dias de espera da chegada do diretor, e não podendo permanecer por mais tempo por falta de condições financeiras, o regente da banda conversou com um “coronel” morador do lugar, assumindo o mesmo o pagamento de sua estadia na pensão pelos dias que fossem necessários que ele ali permanecesse. Decorridos quinze dias, o diretor retornou, mas nada fez, alegando não poder diversificar a pauta salarial da empresa. Interessado que se achava no seu concurso como músico de uma ou das duas bandas sob sua direção, o regente levou-o à localidade de São Vicente, onde existia uma outra fábrica de tecidos, da mesma empresa, e uma banda de música mantida sob sua regência. O salário era o mesmo. E também a resposta foi a mesma. Não era permitida a diferenciação salarial.
Estação de Belo Valle – Distrito de Moeda-MG
Anos 1930
Decidido que estava a trabalhar em prol de um imediato meio de sobrevivência, e sabendo da existência de uma fábrica de laticínios em Belo Vale, onde morava uma sua irmã, Higesipo, sem tempo a perder, correu para lá. Chegando àquele povoado, antes mesmo de procurar o emprego pensado e, atendendo uma sugestão de seu cunhado Rafael (marido de Mariquinha), iniciou um trabalho de fundição de utensílios metálicos: esporas, estribos, freios etc., visando a fundação de uma pequena fábrica. Entendido que era de fundição em moldagem na areia, não havia, portanto, qualquer problema na execução do trabalho. Por outro lado, as matérias primas exigidas, como carvão coque e metais eram abundantes na região. Isto posto, mãos à obra. Eram ainda necessários um cadinho e uma forja, peças essas que arrumou com Rafael. De posse, então, de um determinado peso de sucata de metal amarelo, pegou um par de esporas que conseguiu de empréstimo, para modelo, e fundiu as primeiras peças da recém idealizada fábrica. Mas, terminada que foi a limagem, recebeu um telegrama procedente de Catas Altas, oferecendo-lhe uma vaga de auxiliar de farmácia. Desta forma, Higesipo acolheu o chamado e, voltando para sua terra, foi trabalhar na Farmácia São Jorge, onde permaneceu por cinco meses, de outubro de 1938 a fevereiro de 1939, quando deixou o emprego para atender a convocação para o serviço militar em São João del-Rei.
Militares nas ruas de São João del-Rei
Anos 1930
Baixinho que era, com 21 anos (ainda mais baixo do que se tornou este relator), não atendendo a altura mínima exigida, foi dispensado do serviço militar. Porém, em razão de estar conduzindo socialmente sete colegas da sua região, fato de conhecimento do Comandante do Dia, e ainda estar sendo responsável pela guarda de objetos de uso pessoal do importante superior, informado por Higesipo de sua dispensa, desejou o mesmo que ele fosse incorporado de imediato, o que muito o sensibilizou. Porém, atendendo a uma certa insistência da parte do convocado, o Comandande do Dia acabou por concordar com sua dispensa. Desta forma, pois, ele permaneceu no quartel pelo prazo de apenas onze dias, aguardando a liberação do certificado de reservista de terceira categoria.
Naquela época, os quarenta e dois quilômetros de distância entre Conselheiro Lafaiete e Catas Altas da Noruega eram trajetados à pé ou a cavalo. Não havia estrada de carro. Pensando em fazer uma surpresa às suas famílias, partiram os quatro à pé – Higesipo e os três convocados de Catas Altas. A noite estava linda, com um luar maravilhoso! Fizeram quarenta e um quilômetros direto, sem parar. Mas para vencer os seis restantes, precisaram descansar. Assim, sentaram em um barranco, onde permaneceram pelo tempo de uma hora. Recorda-se, Higesipo, de ter sentido – quando deu o primeiro passo – que as solas de seus pés haviam se deslocado. Como se tivessem presas no solado do sapato. E foi realmente isto que ocorreu. Quando chegou em casa, uma bolha d’água cobria toda a extensão da sola dos pés. Mas, mesmo assim, foi maravilhosa a surpresa. Informado de que seu lugar na Farmácia São Jorge havia sido ocupado, embora tivesse o direito de assumir novamente a função, Higesipo preferiu não prejudicar a pessoa que assumira seu lugar.
Diante de tal circunstância, foi trabalhar com seu irmão José, na condição de aprendiz de seleiro e sapateiro, onde ganhava apenas o necessário para alimentar seu vício de fumante, vício do qual conseguiu se livrar, mais tarde, com o uso do último cigarro colocado na boca, exatamente, às seis horas da manhã do dia 10 de junho de 1945. Adiantando alguns anos à frente, Higesipo recorda o momento em que se dirigia à Casa de Saúde Pedro Giannetti, em Rio Acima, onde ficou internado com um processo pneumônico e uma temperatura de 40°, tendo escapado da morte – a pneumonia naquela época era, em quase todos os casos, considerada aviso de morte, ou melhor, o instrumento da morte. Graças à providência tomada, no sentido de, com a máxima urgência, ser remetida do Rio de Janeiro, de avião, algumas doses do antibiótico penicilina – em Belo Horizonte ainda não havia esse recurso – Higesipo foi salvo da morte já pressentida e comentada pelo diretor-médico do hospital.
Casarão – Catas Altas da Noruega – Anos 1930
Voltando às condições precárias da vida levada por este relator em sua terra natal, como aprendiz de seleiro e sapateiro, alimentando a expectativa de conseguir algum dinheiro, Higesipo resolveu plantar uma roça de milho. Assim fez. Arranjou um pequeno terreno para plantar à terça – espécie de arrendamento em que o proprietário da terra recebe, na colheita, um terço da produção. Bateu sozinho a palhada, ou seja, lugar que havia sido cultivado no ano anterior, suficiente para o plantio de 25 litros, mais ou menos 15.000m2, e efetuava o plantio, quando, já na segunda capina recebeu, lá mesmo na roça, um telegrama levado por seu irmão Totone, de saudosa memória, chamando-o em caráter de urgência para comparecer em Rio Acima.
Carnaval de Rio Acima – Bloco do Clube do Samsa
Fins da Década de 1930
Estava arrumado um novo emprego. Trabalharia nos serviços de enfermagem da Casa de Saúde Pedro Giannetti, próximo de ser inaugurada. Esse fato ocorreu na data de 30 de janeiro de 1940. A urgência era caracterizada pelo interesse de sua participação musical no Carnaval que se iniciaria no dia 5 de fevereiro. Como não podia ser de outra forma, o convite foi atendido com expressiva alegria. Momento em que, “– Deus me perdoe – repudiei a enxada”. Tudo preparado, deixou sua terra em direção a uma outra que, mal sabia, anos e anos mais tarde, como será contado adiante, passaria também a ser sua. O trajeto de 42 quilômetros de Catas Altas da Noruega a Conselheiro Lafaiete foi feito a cavalo. Em Lafaiete embarcou em um trem expresso da Central do Brasil, chegando a Rio Acima por volta das 21 horas do dia 2 de fevereiro de 1940.
HIGESIPO BRITO
Rio Acima, SET 1995.
A narrativa do autor prossegue em próxima postagem.
Referência:
BRITO, Higesipo Augusto de. As memórias de um menino, de um rapaz, de um homem. [Rio Acima, set. 1995. 17 f. Mimeografado]. Chá.com Letras, ago./set./out., 2013.
Revisão, pesquisa de imagens e edição:
Leila Brito
Ilustração:
Foto 1 – Higesipo aos 19 anos de idade. Foto de autor desconhecido. Acervo da Família Higesipo e Maria Brito.
Foto 2 – Estação de Belo Vale – Moeda-MG. Foto de autor desconhecido. Acervo Manoel M. Monachesi. Disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/efcb_mg_paraopeba/belovale.htm>.
Foto 3 – Paisagem urbana antiga de São João del-Rei. Foto de autor desconhecido. Arquivo de André Dangelo – Disponível em: <http://www.saojoaodelreitransparente.com.br/images/view/6664>.
Foto 4 – Catas Altas da Noruega – Casarão dos Anos 1930. Foto de Paula Meireles. Feita em 10 de abril de 2009. Disponível em: <http://www.flickr.com/photos/pmeireles/3435286813/>.
Foto 5 – Carnaval de Rio Acima – Bloco do Clube do SAMSA – Fins da década de 1930 – Autor desconhecido – Retirada do livro de NAHAS JÚNIOR, Antônio. Rio Acima: Fragmentos da história de Minas. Belo Horizonte: Comunicação de Fato, 2010.
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